domingo, 31 de janeiro de 2010

Nós e o nosso avatar

O avatar é uma representação visual de um utilizador de informática numa realidade virtual. É uma imagem que achamos nos representar num perfil que construímos. Ou que achamos ser. Quando alguém nos tira um retrato fazemos uma pose esperando que a nossa imagem represente o que imaginamos ser. Como ela será o que somos realmente, dizemos que o fotógrafo não sabe bater fotografia. Se for uma foto instantânea, pior ainda, pois não nos reconhecemos.
Esta é a nossa eterna briga com a máquina fotográfica. Eu sou mal visto quando chego com a minha (agora) maquininha fotográfica no bolso da camisa. Você fuma? Não, é a minha máquina fotográfica. Sabem que sou avesso a poses fotográficas. E as pessoas são avessas ao instantâneo fotográfico.
A fotografia é uma representação visual do conflito entre o real e o ideal. O que é e o que se pretende ser. Eu não sou o que sou, mas o que pretendo ser. Sou falso? Não. Eu me defino a partir dos critérios sociais que me foram colocados à disposição para dizer o que sou. Vibro quando sou elogiado pelos amigos e me amargo pelas definições os inimigos. E também com as definições “reais” dos amigos. Mas não sou nem um, nem outro. Sou aquele retrato registrado por uma máquina fotográfica.
Cada um de nós se julga a aparência terrena de um ser celestial supremo. O homem é a Imagem e a semelhança de Deus, é o que está escrito lá em Gênesis. Criamos um Deus para nos tornamos a sua criatura. E assim definimos o nosso avatar como a descida de uma divindade do paraíso à Terra.
Deus é espírito e vive sem um corpo. É o espírito que nos separa dos animais. Como nos ensina o Gênesis. Temos um espírito que nos diferencia dos animais e como não somos Deus, não vivemos sem um corpo, mas o “corpo de Adão espelhou a vida de Deus, ao ponto de ter sido criado em perfeita saúde e não ser sujeito à morte” (ver http://www.gotquestions.org/portugues/imagem-de-Deus.html). Adão foi a representação terrena (e corpórea) de Deus. Um avatar que não cumpriu as determinações do ser celestial que o criou. Perdeu a sua saúde perfeita e passou a ser sujeito à morte. Adão e Eva; ela a culpada de tudo seguindo os misóginos primevos do cristianismo. Ela estava mais próxima dos animais por menstruava e paria.
O homem era espírito, a mulher natureza. Ele estava mais próximo do criador e ela dos animais. Mas os dois tinham corpo. E os dois tiveram que “esconder as suas vergonhas” após a expulsão do Paraíso. E esconder o corpo.
Claro que os religiosos com viés criacionista irão me criticar por um eventual reducionismo da história da humanidade, mas o que nos interessa é que chegamos aos dias atuais com vergonha do nosso corpo.
Mary Douglas (antropóloga inglesa) nos ensinou que o corpo é a metáfora da sociedade. Isto quer dizer que o corpo é uma representação visual da sociedade. O seu avatar. Estamos nos distanciando da idéia sâncrista de que o avatar seria a aparência divina na terra, para a idéia apropriada pela informática de uma representação visual, numa realidade concreta, como consideramos a nossa vida em sociedade.
O uso do conceito reformulado de avatar pela informática permite-nos ser o que não somos. Não somos um, mas muitos. Somos o paraplégico Jake Sully de Cameron “que pode correr livre por cenários de beleza estupefaciente”, como descreve Isabela Boscov em sua matéria O fenômeno Avatar na edição 2150 da Revista Veja (de 3 de fevereiro de 2010. p.76). Pode ser um ser comum que vive o avatar de advogada com clientes famosos e internacionais. Podemos ser tudo. O mundo virtual permite que nos transformemos de seres raquíticos em deuses.
A matéria citada acima informa que em dezessete dias o filme Avatar alcançou o recorde que o filme Titanic alcançou em três meses. O que leva as pessoas à buscas de fantasias e procurar trazer aos seu cotidiano? Provavelmente o desejo de tornar a fantasia em realidade. Uma transformação que nunca se realiza. Criamos um Deus para ser um modelo que nunca se torna realidade, pois se isto acontecesse perderíamos as nossas perspectivas de futuro. O avatar nos permite chegar lá e cada vez mais perto pelas transmissões de sinais de televisão em alta definição (HDTV).
Nós nos tornamos construtores de mitos?